quarta-feira, 6 de julho de 2011

No Renascimento, pessoas comiam, bebiam e dançavam nas igrejas

06/07/2011 - 11h00
Divulgação

Volume traz detalhes da história social do Renascimento italiano

Em "O Renascimento Italiano", o historiador inglês Peter Burke produz uma historia social deste rico período cultural --entre os séculos 13 e 17, aproximadamente-- do território onde hoje é a Itália. Esta época abrigou artistas, matemáticos e pensadores como Ticiano, Botticelli, Michelangelo, Leonardo da Vinci, Nicolau Maquiavel, Rafael e Donatello.




No estudo, o intelectual produz uma nova visão sobre a sociedade renascentista ao examinar boa parte do conhecimento já produzido sobre o assunto e utilizar uma leitura sociológica em sua interpretação.

Burke examina o conjunto de tradições e transformações culturais que aconteceram no período em vez de prender-se unicamente à analise de indivíduos específicos ou em abordagens com apenas uma dimensão, como a econômica.

Um dos aspectos explorados pelo autor ao desenhar a organização social renascentista é a relação dos cristãos da época com a igreja.

Diferente do que temos hoje, o espaço sagrado era usado para festejos, reuniões políticas e aulas --entre outros--, além da missa. Algumas pessoas até estacionavam seus cavalos dentro dos prédios católicos.

Leia trecho do capítulo "O Quadro Social".

*
Se os cristãos modernos pudessem visitar a Itália do Renascimento, provavelmente ficariam muito surpresos, para não dizer chocados, com o que veriam acontecendo na igreja, e até mesmo um católico romano haveria de levantar as sobrancelhas. O cardeal veneziano Gasparo Contarini descreve como os homens entravam na igreja "conversando entre eles sobre comércio, sobre guerras, e muitas vezes até sobre amor". Com muita freqüência era proibido andar pela igreja, principalmente durante a missa (em Modena, em 1463, por exemplo, e em Milão, em 1530), com tanta frequência que nos leva a concluir que isso devia acontecer o tempo todo. Podia-se esperar encontrar na igreja mendigos e cavalos, jogadores, professores dando aulas, e reuniões políticas. Os paroquianos comiam, bebiam, dançavam dentro da igreja para celebrar as festas maiores, como as do santo patrono.

As igrejas podiam ser usadas como armazém de grão ou madeira. O relatório de uma visita à diocese de Mântua, em 1535, informa que em determinada igreja "o capelão tem uma cozinha, camas e outras coisas que não são muito próprias para um local sagrado; mas... ele pode ser desculpado porque sua casa é muito pequena" (Tacchi-Venturi, 1910, p. 179s; Putelli, 1935, p.16). Coisas valiosas podiam ser guardadas na sacristia; afinal, não havia muitos outros lugares seguros.

A observação do historiador holandês Johan Huizinga (1919, cap. 12) de que na Idade Média as pessoas tendiam "a tratar o sagrado com uma familiaridade que não excluía o respeito" continua sendo verdadeira para o Renascimento, com a ressalva de que a sua familiaridade também não incluía necessariamente respeito. A distinção entre o sagrado e o profano não chegava aos mesmos lugares e não era tão nítida quanto no final do século XVI, depois do Concílio de Trento. Essa distinção também não existia para todos. Ainda em 1580, Montaigne, ao visitar Verona, ficou surpreso de ver homens de pé conversando durante a missa, com os chapéus nas cabeças e de costas para o altar.

Folha On Line